A entrega de um filho recém-nascido para adoção também simboliza um ato de proteção. Independente do motivo, a pessoa que opta por esse caminho está acobertada pela lei, que permite a entrega como modo de garantir e preservar os direitos e interesses da criança e, também, dela mesma. Na última terça-feira (27/4), o Juízo da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes (PE) celebrou a adoção de Clara, bebê de quatro meses, que foi entregue voluntariamente para adoção por meio do Programa de Entrega Responsável Acolher, projeto da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) que atua com a pessoa que manifesta interesse em entregar seus filhos para adoção.

A entrega voluntária de bebês para adoção é um direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em contrapartida, o desamparo e a exposição de um bebê a uma situação de perigo configura-se no crime de abandono de recém-nascido. As pessoas que expressam o interesse da entrega, são devidamente encaminhadas ao Poder Judiciário, que, por sua vez, atuará em prol de uma segura inserção familiar para a criança, e também na busca de amparo psicossocial para quem fez a entrega, como foi o caso da bebê Clara e de sua mãe biológica.

Clara nasceu no dia 2 de janeiro deste ano. A mãe biológica, tendo em conta o seu difícil contexto de vida e vulnerabilidade, mas munida de responsabilidade social e ciente de que a entrega voluntária também é um cuidado, aderiu ao Programa Acolher, optando pela extinção do seu poder familiar como modo de proteger a filha recém-nascida. No dia 11 de fevereiro, Clara chegou à Instituição de Acolhimento Vila Betânia, em Jaboatão dos Guararapes, dando um fim à espera do casal Daniel Portela e Viviane Alves para se tornarem pais de mais uma criança. Pais biológicos de um menino de seis anos, o casal Daniel e Viviane está inscrito no Sistema Nacional de Adoção (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde 2015.

Conduzida pela juíza Christiana Caribé, a audiência voltada para a formalização da adoção de Clara foi realizada por videoconferência e contou com a presença do casal adotante; da promotora de justiça do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Tathiana Barros; e da assistente social da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes, Carla Novaes. Na ocasião, a magistrada ressaltou a relevância social do Programa Acolher e também lamentou os estigmas e preconceitos sociais que envolvem a decisão da mulher que resolve doar um filho para adoção, afirmando que todas as mulheres, que, por qualquer motivo, não se sintam em condições de criar o bebê que está gerando, têm o direito de serem ouvidas e amparadas pelo Sistema de Justiça, bem como a criança deve ser incluída em uma nova família, seguindo todos os procedimentos legais.

“São diversos os motivos que levam uma mulher a entregar o filho para adoção. Muitas vezes essa mãe já sofreu abandono do pai da criança, de seus familiares, entre outros problemas sociais e emocionais que ela enfrenta, por exemplo. Infelizmente são recorrentes em nosso país situações de recém-nascidos abandonados em vias públicas insalubres, ou entregues à revelia para desconhecidos, correndo o risco de que sofram sérios prejuízos de saúde e desenvolvimento, ou mesmo que não sobrevivam, até serem encontrados, e também que sejam vítimas de tráfico de crianças. O Programa Acolher mostra para a sociedade como uma criança pode encontrar rapidamente uma nova família, evita a adoção ilegal, e afasta o bebê de situações de perigo e vulnerabilidade. E, ainda, ampara a mulher, sem julgamentos em relação à sua escolha, proporcionando assim suporte psicológico, socioassistencial e jurídico, tendo em conta toda a problemática que a mulher está enfrentando”, observou a magistrada.

De acordo com informações da Assessoria Técnica da Vara da Infância de Jaboatão, o casal Daniel e Viviane sempre expressou o desejo de ter filhos biológicos e adotivos. Durante o tempo de espera pela filha Clara, ambos apadrinharam uma adolescente por quase um ano, através do Anjo da Guarda, programa de apadrinhamento da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes, que busca promover a convivência comunitária de crianças e adolescentes acolhidos, possibilitando seu desenvolvimento físico, mental e social, por meio do apadrinhamento nas modalidades afetivo, profissional e provedor.

O estágio de convivência do casal Daniel e Viviane com a bebê Clara foi realizado de modo muito tranquilo, com duração de um mês, sem nenhuma intercorrência. As visitas à instituição de acolhimento foram efetuadas com todos os cuidados e protocolos necessários diante do contexto da pandemia da Covid-19, e em menos de dez dias, Clara já estava em seu novo lar. A mãe conta que ao ver a mensagem da Vara em seu celular, já sentiu que se tratava da adoção, e falou ao esposo que aceitaria a criança como ela viesse. Viviane Alves também agradece à mãe biológica de Clara e reconhece amor no ato de sua entrega.

“Eu queria pedir a essas mães que elas fiquem tranquilas. Reconhecer que não pode criar a criança e entregá-la a uma nova família é também um ato de amor. Claro que há dor, mas também há amor. Sou muito grata à mãe de Clara, que tornou a minha maternidade possível. Agradeço a ela e a todas as mães que precisam passar por isso. Não entreguem suas crianças para qualquer um ou por qualquer coisa. Já que existe um programa que assegura um lar para o seu bebê, procurem o Sistema de Justiça, para terem a certeza de que o seu filho estará bem”, afirma Viviane.

Programa Acolher

O Programa Acolher foi instituído pela Coordenadoria da Infância e Juventude do TJPE, em 2011. O objetivo é atender mulheres gestantes ou mães que manifestam interesse em entregar seus filhos para adoção. Desde a sua fundação, o Acolher já atendeu 134 mulheres. Hoje, o programa funciona em 23 comarcas: Abreu e Lima, Afogados da Ingazeira, Arcoverde, Bezerros, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Caruaru, Garanhuns, Goiana, Gravatá, Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Limoeiro, Moreno, Olinda, Ouricuri, Paulista, Petrolina, Salgueiro, São Lourenço da Mata, Serra Talhada, Santa Cruz do Capibaribe e Vitória de Santo Antão.

O coordenador do Programa Acolher, o psicólogo Paulo André Teixeira, ressalta que a ação não consiste no estímulo à entrega de crianças, mas sim na garantia da proteção que é determinada na Lei. “A cada dia, nós estamos avançando mais para propiciar que mulheres se sintam apoiadas no exercício de sua maternidade, com o Sistema de Justiça, de Saúde, Assistência Social, Conselhos Tutelares e outros órgãos acolhendo e escutando de forma respeitosa a sua intenção de entregar o seu recém-nascido para adoção. Ainda é um desafio ampliar o conhecimento da sociedade sobre o fato de que a entrega responsável é um direito da mulher, e de que é um ato que permite que a criança cresça e se desenvolva numa família afetivamente disponível para todas as suas necessidades.”

Fonte: TJPE

Fonte: Portal CNJ