O tema “LGPD e gestão documental no Poder Judiciário: aplicabilidade e impactos” foi discutido na última sexta-feira (27/8), em palestra extra do Núcleo de Estudos em História e Memória da Escola Paulista de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Coordenado pela desembargadora Luciana Almeida Prado Bresciani e pelo juiz Carlos Alexandre Böttcher, o evento teve palestra da professora adjunta do departamento de Arquivologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Lenora de Beaurepaire da Silva Schwaitzer.

Lenora Schwaitzer observou que a privacidade é um conceito ainda em construção, com questões que surgiram em decorrência do uso da tecnologia. Ela fez uma retrospectiva da evolução normativa do direito à privacidade, recordando que esse conceito surgiu na segunda metade do século XIX, período em que foi promulgada a Lei de Imprensa Francesa e houve a proibição pelo Tribunal Civil do Sena da reprodução de imagens sem o consentimento da pessoa ou da família.

A professora lembrou que, antes da edição do Regulamento Europeu n. 679/2016 (Regulamento Geral sobre Proteção de Dados – GDPR, na sigla em inglês), surgiram outras normativas na Europa, como a Convenção Nacional de Proteção de Dados nº 108, de 198; a Directive 95/46/CE, de 1995; e a Directive 2002/58/EC – e-privacy. Em relação à proteção da privacidade nos Estados Unidos, explicou que ela foi discutida em nível de precedentes e fortalecida em termos de normativas específicas, relacionadas a questões como saúde e dados bancários, mas sem uma norma de abrangência federal.

Quanto aos países asiáticos, mencionou a Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC), esclarecendo que os países integrantes desse grupo têm um entendimento diverso a respeito da privacidade, considerando que a proteção dos dados pessoais não pode prejudicar o comércio, com o uso de dados entre seus membros para a promoção do comércio eletrônico, por exemplo.

Em seguida, ela apresentou a evolução normativa no Brasil, lembrando que a Constituição Federal de 1988 abrange os direitos de acesso à informação e à vida íntima. “Surgiram duas vertentes, uma seguindo o caminho da administração pública, por meio da edição da Lei de Arquivos (Lei 8.159/91) e depois da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11).”

A professora lembrou que havia uma preocupação do Estado em dar acesso à informação, preservando a vida íntima dos cidadãos, elucidando que com a Lei 12.527/11, essa preocupação passou a ser a informação pessoal e com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei 13.709/18), passou a ser os dados pessoais e os dados pessoais sensíveis. Lembrou também que houve outro caminho construído a partir do Direito do Consumidor. “Existem duas correntes que se preocupam com a questão vinculada à vida íntima e à privacidade”, observou. Ela acrescentou que tanto a LGPD quanto a Lei de Arquivos versam sobre tratamento de dados. “Tratamento é gestão documental”.

A respeito das obrigações do poder público, explicou que estão relacionadas à transparência, como o fornecimento de informações claras e atualizadas acerca da execução de suas atividades. Ela recordou que essa obrigação foi ampliada, primeiro com a Lei Complementar 131/09, depois com a Lei de Acesso à Informação e a LGPD, ponderando que a tendência é uma ampliação ainda maior. Mencionou ainda a parceria firmada em 2011 com os Estados Unidos sobre interoperabilidade de dados, quando o Brasil foi convidado para fundar e ser colíder da parceria para o Governo Aberto.

Lenora Schwaitzer explicou que o advento da LGPD impactou os arquivos, pois anteriormente os planos de classificação e tabela de temporalidade traziam a permissão por meio da base legal para a eliminação. “Agora nós temos uma obrigação de eliminar, pois não podemos mais manter essas bases de dados”, salientou. Em relação ao contexto do Judiciário, recordou que desde 2004, antes da Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/06), a Justiça Federal já produzia documentos digitais, que precisam de tratamento de dados. E ressaltou que há diversos formatos de arquivo e sistemas a serem considerados.

Por fim, falou sobre os desafios a serem superados, entre eles a publicidade das decisões judiciais, com gravação dos julgamentos e disponibilização nos portais de jurisprudência da íntegra das decisões dos órgãos colegiados que muitas vezes trazem dados pessoais e sensíveis na fundamentação.

Ela lembrou que, com exceção daqueles classificados como segredo de Justiça, os autos virtuais podem estar acessíveis para todos os advogados (mais de 1,1 milhão de profissionais), bastando estarem cadastrados, o que foi possibilitado pela Resolução 121/2010 do CNJ. Nesse sentido, observou que o Superior Tribunal de Justiça já começou a efetuar a anonimização de dados nos processos. “Existe essa preocupação, inclusive quanto ao conteúdo. Isso é um desafio, quando se fala em gestão documental, para o Judiciário”..

Fonte: EPM/TJSP

Fonte: Portal CNJ