A escritora Genisete Sarmento foi a responsável por iniciar o processo de compreensão dos desdobramentos do território do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga. A explanação abriu os debates desta sexta-feira (22), no auditório da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Atenta, a plateia ouviu que para se festejar a data do jeito atual, é preciso resgatar o protagonismo do povo preto desde que a história seja contada pelo próprio povo. “A retrospectiva histórica palmarina do município alagoano precisa ser contada e reconhecida em todo país”, disse.

O primeiro painel do dia contou com a participação dos representantes da sociedade civil, a ativista Vanda Menezes, a pesquisadora Sheila Walker, a ialorixá Mãe Miriam, o professor Zezito Araújo e o mestre de capoeira Girafa, além do presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), João Jorge Rodrigues, e do diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-Brasileira da FCP, Nelson Mendes.

A proposta da iniciativa é promover uma reflexão sobre a data do 20 de novembro ser celebrada para além do território da Serra da Barriga, ouvindo a opinião de representantes de várias manifestações culturais, religiosas e de pesquisadores do movimento negro.

 “A minha provocação é que eu acho que a gente terá que dar um salto de qualidade para celebrar o 20 de novembro, saindo um pouco da Serra da Barriga e, estou falando isso, porque as coisas não aconteceram apenas lá, mas sim, em toda cidade de União dos Palmares”, disse o professor Zezito.

A ialorixá Mãe Miriam comentou sobre a importância da religião do movimento negro na Serra da Barriga. “Ali é um solo sagrado batizado com o sangue dos nossos ancestrais negros que muito lutaram pela liberdade do seu povo. Ali Ganga Zumba era de Xangô, Zumbi era de Ogum e Dandara de Oxum. Ali o culto das religiões afrodescendentes era de amor a Deus e a natureza para fortalecimento daquele povo”.

“A capoeira é um movimento importante do 20 de novembro porque foi através da luta de resistência do povo negro que nós conseguimos subir e ocupar aquela Serra. Eu defendo que no estado de Alagoas todas as escolas possam ter aula de capoeira pra gente levar a genuína arte do povo negro”, defendeu o mestre Girafa.

A professora e pesquisadora Sheila Walker também trouxe sua contribuição reafirmando a importância do Quilombo. “O fato de Palmares ser uma festa nacional, reconhecido pelo governo do país é maravilhoso, porque Palmares é um símbolo importantíssimo não só para o Brasil, mas para toda a América”.

Já Vanda Menezes, também professora, defendeu que a data deve ser celebrada por todo o país na Serra. “Eu sou a favor de que todos os estados da federação façam suas comemorações até o dia 18 de novembro e no dia 19 ir pra Serra da Barriga dizer que ali que nós construímos o pilar da liberdade. Alagoas precisa ser o palco desse país e do mundo da diáspora africana”, explicou.

“Nesse dia nós temos que celebrar uma vitória extraordinária do movimento negro brasileiro. Obrigar esse país, a pátria mãe do racismo mundial, a ter um feriado nacional dedicado a memória histórica do povo negro é algo pra gente celebrar e bater palmas, porque aqui o racismo aprisionou a mente de milhões de habitantes”, declarou o presidente da FCP, João Jorge no final do painel.

Inclusão digital

Na parte da tarde, o presidente João Jorge celebrou com o público presente a entrega de 200 computadores – enviados pelo Governo Federal – às organizações que atuam no Quilombo dos Palmares.

“Esses computadores não são apenas ferramentas para acessar serviços digitais, mas pontes para que as comunidades quilombolas e populações negras ampliem sua presença no espaço virtual compartilhando sua cultura, lutas e conquistas”, esclareceu o secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Hermano Barros Tercius. “Que esses equipamentos sejam instrumentos para que a música, arte, tradições e história de resistência do quilombo de Palmares sejam divulgadas e celebradas em todo país e no mundo”, completou.

Diálogos Palmarinos

O evento sinaliza o compromisso da Fundação Cultural Palmares em apoiar e valorizar as comunidades quilombolas, respeitando e promovendo suas tradições culturais, bem como contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

No segundo painel, com o tema 20 de novembro, o feriado nacional da consciência negra, participaram do debate estudiosos e pesquisadores do assunto encerrando a programação especial do terceiro dia de atividades da Fundação Cultural Palmares (FCP).

A professora Rosa Lúcia ressaltou que a data é fruto da luta contínua do movimento negro e da sua vontade incessante de levar os feitos e personalidades ao patamar dos que representam a comunidade, história e cultura. “A inserção da data no calendário dos feriados que tem vigência em todo território tornou essa conquista ainda mais significativa, visto que integra a lista de comemorações genuinamente não brancas”.

Provocando reflexões no público, a assistente social pela Ufal, Marli de Araújo, concorda que o 20 de novembro é importantíssimo enquanto feriado, mas fez o questionamento. “Quanto tempo ele demorou pra ser reconhecido? Ele foi uma luta para ser instituído e uma longa luta para o estado brasileiro enquanto nação o reconhecesse como um feriado nacional”.

“Para a gente ter o feriado hoje houve toda uma luta para fazer a virada de chave sobre o 13 de maio, porque a gente tinha essa data como referência”, lembrou o professor Mayke Andreele.

“A gente precisa muito entender a história desse território, pois não existe Zumbi sem o Quilombo dos Palmares. É importante saudar Zumbi e Dandara, mas entender a história do Quilombo é conhecer toda a estratégia de resistência”, colocou a professora Sandra Sena.

O contexto da diáspora africana foi mencionado pela autora e docente Kim Butler. “O Brasil ajudou a formar minha identidade como negra diaspórica global e isso foi revolucionário. A gente tem que constar que qualquer lugar onde houve escravidão negra também houve resistência negra”.

Representando os quilombolas, Sandra Oliveira, disse ser necessário fazer uma reflexão, pois ainda existe muito sofrimento nos quilombos nos dias de hoje. “É muito bom celebrarmos e agradecermos pelas conquistas, mas também é importante lembrarmos de todos os nossos que tombaram e que estão tombando a cada dia pela luta do direito territorial quilombola”.

As falas foram encerradas com a participação do representante do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros (Ipeafro), Julio Menezes Silva, rememorando as contribuições de Abdias Nascimento no contexto da Serra da Barriga. “Essa instituição foi criada para preservar, gerir, difundir e articular o legado de Abdias e das organizações que ele fundou”. Na ocasião Julio exibiu trecho do documentário que registra uma das primeiras peregrinações organizadas pelo Memorial Zumbi, com imagens em vídeo e fotos de Abdias na Serra da Barriga, em 1983.



Fonte: Ministério da Cultura